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terça-feira, julho 27, 2004

Destinos 

"Quando voltares vou estar à tua espera!"
Ouvir aquelas palavras da boca dele fê-la acreditar que tudo ia correr bem... Olharam um para o outro como da primeira vez, com a intensidade que só existe entre os que amam... Nunca deixar aquele lugar lhe tinha parecido tão difícil... E afinal era só mais uma vez... Só mais umas férias que chegavam e que a levavam de novo à casa dos pais...
Ele ficava por Lisboa durante uns tempos, e depois seguia rumo ao Algarve com os pais... As férias de sempre desde que os seus caminhos se tinham cruzado nas filas da secretaria da faculdade... E já lá iam três anos... Mas naquele Verão seria diferente... Iam passar as primeiras férias juntos... As férias que há tanto tempo mereciam... Uma semana em plena Serra do Gerês, só os dois... Um verdadeiro sonho tornado realidade...
Já tinham tudo combinado... Daí a um mês e meio ele iria ter com ela a Coimbra, e de lá partiriam para o Gerês... Iam contar os dias que faltavam para voltarem a estar juntos...
Mas num instante apenas tudo mudou...
Chegou a casa depois de ter ficado horas na esplanada a contemplar o mar, e a imaginar como seria bom se ela não tivesse sempre de voltar a Coimbra... Não era longe... Mas a distânçia parecia imensa... E naquela tarde essa sensação era ainda maior... Tinha tentado ligar-lhe mas as chamadas iam sempre ter ao atendedor de chamadas... Ela estava outra vez sem bateria no telemóvel... Já era tão normal que não estranhou...
Quem dera que ela nunca tivesse entrado naquele comboio... Quem dera que aquele beijo de despedida tivesse sido apenas mais um, e não o último...
Chegou a casa e foi directamente à casa de banho lavar as mãos para jantar... Eram 20hs e as notícias estavam a começar... Nunca a abertura de um noticiário tinha tido tanto impacto como aquela: "Descarrilou hoje à tarde, pouco depois do Entroncamento, um Comboio que tinha como destino Coimbra! Ainda não foram encontrados quaisquer sobreviventes!"... Com os olhos marejados de lágrimas pegou no telemóvel e tentou mais uma vez ligar-lhe... E mais uma vez a chamada foi ter ao atendedor de chamadas... Pegou no telefone e ligou para casa dela... A espera parecia interminável... O telefone chamava, chamava, e ninguém atendia... Tentou uma e outra vez, até que uma voz trémula e triste atendeu do outro lado... "Boa noite! Seria possível falar com a Mafalda?" - perguntou ele sem querer ouvir o que temia... O silêncio do outro lado foi momentâneo... E a resposta foi a única que ele não queria jamais ouvir: "Era o comboio em que a Mafalda regressava a casa!"... O coração dele gelou... As lágrimas desciam pelo seu rosto... E começou a chorar como uma criança... Soluçava como se o mundo tivesse acabado... E realmente tinha acabado... Tinha acabado o mundo deles... Tinha ruído o mundo dele... Tudo o que ele era tinha ficado naquele comboio... E com o coração em cacos e a alma desfeita chorou a noite inteira...
 
As aulas recomeçaram três meses mais tarde... E todos evitavam falar no assunto... A Mafalda tinha sido transformada num tabú... Ninguém se atrevia, sequer, a perguntar-lhe como se sentia...
Até que um dia, para espanto de todos, foi ele quem tocou no assunto e falou: "A Mafalda morreu! Não tenham medo de falar dela! Só assim podemos manter vivo alguém que sempre amou a vida e a quis viver em pleno! Por favor, não façam dela um fantasma! Façam dela uma recordação!"
 

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