segunda-feira, junho 13, 2005
"Adeus"...
Hoje as letras ficaram mais pobres… A Poesia ficou mais pobre… O mundo ficou mais pobre… Eugénio de Andrade, ou José Fontinhas, como preferirem, era um poeta de alma e coração… Brincava com as palavras e dava-lhes emoção, fazia-as transpirar sentimentos… E não raras foram as vezes em que me senti profundamente tocada pelas palavras deste Senhor… A Concha costuma dizer que “Doutores há muitos, Senhores é que há poucos”… Este foi, sem dúvida alguma, e será sempre, um Senhor…
Neste dia em que me comovo com esta perda de “uma presença que não se apaga”, nas palavras de Agustina Bessa Luís, partilho convosco o “meu” poema… Espero que gostem…
"Adeus"
"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."
(Eugénio de Andrade)