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segunda-feira, junho 13, 2005

"Adeus"... 

Acredito que as palavras só se gastam quando sentimos que já não vale mesmo a pena… Porque as palavras têm o poder de perpetuar em nós as pessoas… E este Senhor, que hoje disse adeus ao mundo, ficará perpetuado em mim através dos seus poemas, especialmente pelo “Adeus”… Descobri este poema quando tinha 17 anos… Foi amor ao primeiro verso… Li-o e reli-o vezes sem conta… Tornou-se no meu poema preferido… Meu e da Lipa… Ainda hoje o “Adeus” é o nosso poema… Mais um elo da nossa amizade… Uma daquelas que nem o tempo nem a distância têm o poder de minar…
Hoje as letras ficaram mais pobres… A Poesia ficou mais pobre… O mundo ficou mais pobre… Eugénio de Andrade, ou José Fontinhas, como preferirem, era um poeta de alma e coração… Brincava com as palavras e dava-lhes emoção, fazia-as transpirar sentimentos… E não raras foram as vezes em que me senti profundamente tocada pelas palavras deste Senhor… A Concha costuma dizer que “Doutores há muitos, Senhores é que há poucos”… Este foi, sem dúvida alguma, e será sempre, um Senhor…
Neste dia em que me comovo com esta perda de “uma presença que não se apaga”, nas palavras de Agustina Bessa Luís, partilho convosco o “meu” poema… Espero que gostem…

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"Adeus"

"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus."

(Eugénio de Andrade)


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