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quarta-feira, novembro 30, 2005

A lágrima 

A lágrima, que escapou naquele instante de dor,
Ainda me queima o rosto e faz doer o coração.
A lágrima, que desejou ser livre para sempre,
Abandonou os meus olhos e tatuou-me a alma.
Tatuagem de dor e tristeza escondidas,
De sentimentos perdidos por não poderem ser vividos.
Tatuagem de mais uma partida do destino,
De mais um fracasso anunciado,
Que paguei para ver...
Ainda tenho no rosto a marca daquela lágrima,
Única e solitária, que se evadiu sem eu dar conta.
A razão calo e guardo só para mim,
Porque há palavras que jamais poderão ser pronunciadas.
Palavras que revelam aquilo que não deve ser revelado.
Palavras que denunciam sentimentos
Guardados no mais fundo de mim.
A lágrima, que escapou naquele instante de dor,
Guardei-a perto dos tais sentimentos
E arrumei tudo num cantinho escondido da alma,
Bem longe do coração, para ser capaz de sorrir.
A lágrima, que desejou ser livre para sempre,
É agora prisioneira de si mesma, nesse recanto
Ao qual a confinei...
(Ana)

sábado, novembro 26, 2005


Ás vezes demora-se algum tempo a perceber determinadas coisas. E o tempo que se perde nesses entretantos pode ser crucial. Quando a ficha, finalmente, cai e percebemos o que não tínhamos conseguido ver, por vezes, dói demais.
Sempre disse que não sabia viver as coisas pela metade, e que aquilo que mais me assustava era cair nesse abismo de incerteza e indecisão. E foi sempre assim que pautei a minha vida, traçando a minha trilha de acordo com a certeza de que viver era ser inteiramente verdadeira comigo mesma, doesse aquilo que doesse. Percebi, com o passar dos anos, que a verdade pode ser muito cruel, mas sempre preferi enfrentá-la a viver na mentira e na ilusão. Quando a vida colocou no meu caminho uma dura realidade ainda pensei em fugir e esconder-me na ilusão que me era oferecida noutro lugar, mas não o fiz. Não fugi e enfrentei a verdade, por mais dura que fosse. Depois, então, fui curar as feridas para outro lugar. Custaram a sarar. Mas como aquilo que não nos mata torna-nos, realmente, mais fortes ergui a cabeça e enfrentei de peito aberto o que a vida tinha guardado para mim. E nunca me arrependi de tê-lo feito. Só que hoje falta-me a coragem para fechar as portas que se abriram quando eu passei. Entrei aqui sem pensar duas vezes, nem olhar para trás. Mergulhei de cabeça sem ter medo da escuridão que se prolongava à minha frente. E agora, aqui no meio desta névoa sombria onde me encontro, tento encontrar uma solução para o nada que me invade e abre caminho ao vazio.
Lembro-me que quando era pequenina tinha medo das casas muito grandes, porque tinham corredores que eram, aos meus olhos, gigantescos e me amedrontavam por não saber o que se escondia por de trás daquelas portas fechadas. Quando penso neste tipo de casas não consigo evitar recordar a casa da minha Tia-avó. Aquela casa sempre me deu arrepios, com os seus corredores imponentes e o papel de parede que os cobria, daquele tipo que forrava as paredes das casas antigas. Talvez tenha sido por isso que nos últimos anos que ela lá viveu eu nunca tenha passado da sala de estar. Recordo aquela casa à qual está ligado o meu medo de criança dos corredores grandes e escuros, e penso em tudo isto que me amedronta e me deixa sem coragem. Sinto que tenho novamente cinco anos e que estou em casa da tia, ouço alguém chamar-me mas tenho medo de atravessar o corredor. Há portas abertas mas lá dentro as luzes estão apagadas. Está escuro e eu tenho medo. Sei que, mais cedo ou mais tarde, terei de caminhar, ainda que cuidadosamente, para atravessar o corredor, fechando as portas à minha passagem. Mas por enquanto não sou capaz. Talvez a travessia deste corredor sirva para me ensinar a pensar duas vezes antes de enfrentar a escuridão. Porque há coisas que nela ficarão irremediavelmente perdidas depois de terem caído no chão, porque a luz necessária para as reencontrar não está, simplesmente, ao alcance das minhas mãos.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Este post e esta música são dedicados a todos os meus amigos, em especial a uma amiga cuja alegria corre o risco de se perder.

A amizade tem para mim um valor inenarrável. Os meus amigos são responsáveis por grande parte das coisas boas que vivo. Por isso ver um deles sofrer faz doer-me a alma, porque eles fazem parte dela.
Tu, como não podia deixar de ser, és uma parte importante da minha vida e ver-te chorar custou-me horrores. Quis poder arrancar-te a dor que sentias e secar as tuas lágrimas de uma vez por todas, mas não fui capaz. E vi-te chorar, sentindo-me impotente perante o teu sofrimento. Pediste a minha opinião, que prontamente te dei. Fiz-te as perguntas às quais tens medo de responder. Sempre te disse que terias todo o meu apoio enquanto fosses feliz. E foi com tristeza que percebi que a felicidade não é a tua realidade neste momento, que a tua alegria contagiante se perdeu algures no caminho que percorreste até aqui. Um dia voltas a sorrir como antes! Eu acredito nisso! Porque alguém tão alegre como tu não merece chorar!
Adoro-te!
Beijo enorme,
Ana


"Security"

"A loss that would have thrown
A hole through anybody's soul
And you were only human after all
So don't hold back the tears my dear
Release them so your eyes can clear
I know that you will rise again
But you gotta let them fall
I wish that I could snap my fingers
Erase the past but no
You cannot rewind reality
Once the tape's unrolled

If your spirit's broken and you can't bear the pain
I will help you put the pieces back
A little more each day
And if your heart is locked and you can't find the key
Lay your head upon my shoulder
I'll set you free
I'll be your security

A moment of despair
That forces you to say that life's unfair
It makes you scared of what tomorrow may bring
But don't go giving into fear
Stop hiding all alone in there
The show keeps going on and on
But you'll miss the whole damn thing
I wish I had a crystal ball to see what the future holds
But we don't know how the story ends till it's all been told

If your spirit's broken and you can't bear the pain
I will help you put the pieces back
A little more each day
And if your heart is locked and you can't find the key
Lay your head upon my shoulder
I'll set you free
I'll be your security


On any clock upon the wall
The time is always now
So baby kiss the past goodbye
Don't let the future blow your mind
Just sit back and chill
Take things as they come
You can't be afraid
To live for today
I will be with you each step of the way

If your spirit's broken and you can't bear the pain
I will help you put the pieces back
A little more each day
And if your heart is locked and you can't find the key
Lay your head upon my shoulder
I'll set you free
I'll be your security"

(Joss Stone)

sexta-feira, novembro 18, 2005

As palavras presas na garganta já não me incomodam... 


As palavras presas na garganta já não me incomodam. Aprendi a viver com elas, porque nem tudo o que se pensa e se sente pode ser dito. Guardo-as, então, numa caixinha pequenina onde se vão acumulando todas aquelas que um dia deixei por dizer. Guardo-as num recanto da minha alma ao qual Pessoa chamou um dia “comboio de corda”, porque só nesse lugar tudo faz sentido. Só nesse lugar todos os sentimentos são verdadeiramente generosos e puros. E é nesse recanto da alma que guardo aquilo que de mais meu tenho, porque há coisas que nem a nós mesmos podemos dizer.
Nos últimos tempos tenho reparado que a palavra “verbalizar” anda nas bocas do mundo. Sempre que a ouço esboço um sorriso discreto, quase imperceptível. Recorda-me as conversas com uma amiga querida. Recorda-me as palavras que verbalizamos e aquelas que só fomos capazes de proferir no silêncio de um olhar. Porque há olhares que valem mesmo mais do que mil palavras.
As palavras presas na garganta já não me incomodam. São apenas reminiscências daquilo que ficou por dizer quando me faltou a coragem para deixar sair tudo aquilo que tinha cá dentro. E guardo essas memórias, religiosamente, naquela caixinha pequenina para que nunca me esqueça daquilo que já senti. Porque foram os sentimentos que fizeram parte de mim um dia que me tornaram na pessoa que sou hoje. E a pessoa que sou hoje apenas sabe sentir como sente por causa daquilo que já sentiu um dia.
As palavras presas na garganta já não me incomodam. São apenas palavras. Valem o que valem para os outros. Para mim valem demais.
As palavras presas na garganta já não me incomodam. São pedaços da minha existência. São, apenas, pedaços de mim.
As palavras presas na garganta já não me incomodam...

domingo, novembro 13, 2005

"Já não sei sonhar" (II) 

"Leio e releio aquela carta vezes sem conta. Não esperava, de todo, que me escrevesses. E o poema! A escolha do poema foi perfeita. Fernando Pessoa! Conheces a minha paixão pela poesia! Sabes quais são os meus poetas de eleição, aqueles em que me revejo, ou revi um dia. Mas tinha de ser Pessoa! Tinha de ser o primeiro poeta que te disse que gostava. Aquele que tinha uma alma que transcendia a sua unidade como ser humano e tinha a capacidade de ser quem quisesse, como eu sempre quis. Sabes que sempre tive o sonho de poder transformar-me em qualquer pessoa. Daí o meu gosto pela escrita. Escrever deixava-me exaltar os sentidos ao seu expoente máximo e ser quem eu quisesse. Sempre me faltou a coragem para dar largas a essa paixão e fazer da escrita o meu modo de vida, embora sempre me tenhas dado toda a força que precisava para isso. “That’s what friends are for!”, dizias-me tu com um grande sorriso. Mas isto era no tempo em que éramos só amigos. No tempo em que os momentos que passávamos juntos eram regados com as nossas lamentações amorosas que passados cinco minutos já era motivo de grandes gargalhadas.
Hoje é diferente! Hoje os nossos momentos são menos ocupados a falar dos outros. Hoje os nossos momentos são só nossos, embora eu os veja de um modo diferente. Para ti são momentos de duas pessoas que se perceberam na vida e que têm tudo para dar certo. Para mim são momentos de duas almas fragmentadas que não têm mais sentimentos para partilhar, e então partilham o que têm.
Ainda assim, conseguiste surpreender-me! Uma carta cheia de esperança e sentimentos reduzidos a palavras. Sempre te disse que os sentimentos são mais do que palavras, são gestos, são toques, são olhares, mas que as palavras são o único meio de darmos certezas deles. Quando te dizia isto chamavas-me sonhadora. Dizias que um dia ainda ia perceber que a vida não era nada assim e que os sentimentos eram as ilusões dos tolos. Não percebo o que mudou em ti. De um momento para o outro resolveste voltar a sentir e a amar, ou pelo menos a tentar, como se o amor fosse uma espécie de jogo que se pode escolher jogar, ou não, consoante o estado de espírito.
Não digo que não gostei da tua carta, porque isso seria mentira. Tenho um fraco por palavras, e sabes disso. Querias tocar-me de alguma maneira e conseguiste. O poema é lindíssimo, e as tuas palavras não lhe ficam atrás. Só tenho pena de não poder acreditar na frase com que terminaste aquela carta:”Ainda vou conseguir fazer-te voltar a sonhar!”. Um dia, quem sabe, também eu perceba, como tu percebeste, que mais vale ter o corpo cravejado de cicatrizes por se ter tentado e se ter falhado, do que viver refugiado numa concha longe de tudo o que possa fazer doer. Dizes que me vais conseguir mostrar que o amor vale a pena. Mas eu não consigo acreditar."


O poema da carta:

“O amor, quando se revela...
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p' ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...”

(Fernando Pessoa)

quarta-feira, novembro 09, 2005

"Já não sei sonhar" 

"Perguntas-me quem sou, sem perceberes que o que procuras é saber quem és. Dizes-me todas aquelas coisas que uma mulher gosta de ouvir, mas não é pelo prazer de as dizer, é pela necessidade que sentes de sentir o que dizes, mesmo não sentindo. Somos iguais, embora me julgues mais emocional do que tu. Talvez seja essa a razão que te tenha levado a escolher-me a mim, e não outra, para esta nova fase da tua vida. Acreditas que posso ensinar-te a sentir outra vez. Mas não percebes que eu mesma já não sei como se faz.
Quando me conheceste eu era uma sonhadora. Uma menina que acreditava no “foram felizes para sempre”. Mas o tempo passou e a vida encarregou-se de me ensinar que os contos de fada não passam disso mesmo, e que ao finais felizes acontecem só na ilusão das pessoas. Não percebeste o efeito que esses ensinamentos da vida tiveram em mim, e queres que partilhe contigo as minhas ilusões. Queres reaprender a sonhar comigo. Mas eu já não sei sonhar. Já não sei como se reinventam os olhares nem os gestos. Já não sei como se demonstram os sentimentos mais escondidos. Já não sei como se sonha de olhos abertos, nem o que é sentir borboletas no estômago quando se aproxima aquele a quem se dirigem os afectos.
Antes, antes de a vida me desfazer os sonhos de menina, acreditava na velha história de que a alma estava dividida em duas e que um dia iria encontrar a outra metade da minha. Mas isso era antes. Antes de perceber que os arco-íris não têm um tesouro no final. Antes de descobrir que a magia dos afectos é pura ilusão, e que os meus fazem parte dela.
Lembro-me bem da última vez que me apaixonei. Acreditei que aquela paixão iria ter o tão desejado final feliz. Mas não teve. Correu mal, muito mal. E depois dela nunca mais conseguir apaixonar-me por ninguém. Tentei, mas não fui capaz. Aquele fracasso havia despedaçado a minha crença no amor de uma vez por todas. Mas na altura faltou-me a coragem de encarar o meu fracasso e olhá-lo nos olhos. Refugiei-me no amor que os outros sentiam por mim e suguei-o até não poder mais, na esperança de voltar a sentir algo mais profundo dentro de mim, tal como tentas fazer, em vão, comigo.
Olhas para mim e dizes que vamos ser felizes. Como eu gostava de acreditar! Dizes que sabes o que sinto e que vais ser capaz de me fazer acreditar de novo. Mas, no fundo, sabes que o risco de isso não acontecer é maior do que a possibilidade de essa ser a nossa realidade."

(...)

domingo, novembro 06, 2005


“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”

Fernando Pessoa

quinta-feira, novembro 03, 2005

Fecho o livro e respiro fundo. Coloco-lhe as mãos em cima e repouso a cabeça nelas, como se quisesse segurar todos os pensamentos que povoam a minha mente. Recordo as palavras da Mi, “Nunca te tinha visto assim!”, e segredo a mim mesma a resposta que não lhe dei: “Nem eu!”. A verdade é que, por vezes, nem eu mesma me reconheço. As últimas semanas têm sido de grande mudança interior, de crescimento, evolução. Estou diferente. Algo em mim mudou. Algo que não verbalizo pelo receio de perceber que não sou capaz de fugir dessa realidade. Não são raras as vezes que, em silêncio, me questiono sobre a veracidade desta mudança mas, depois, relembro uma conversa e aquelas palavras, “sim, algo está diferente…”, e não tenho dúvidas. Já tive tempo de aprender que há certezas e respostas a determinadas questões que nunca chegam a ter-se. “Vais ter de habituar-te a isso!”, disse-me alguém na sequência de uma conversa, na qual o tema das questões constantes e interiores foi rei durante algum tempo. Sim, eu sei que tenho de habituar-me a não ter sempre a resposta a todas as minhas questões mas, nem assim, consigo evitar os “porquês” que se sucedem na minha mente.
Digo constantemente a mim mesma que tenho de deixar o tempo correr para tentar encontrar algumas respostas às interrogações que não libertam a minha cabeça.
Ergo a cabeça e fito a parede. Recordo aquilo que disse: “O futuro a Deus pertence, mas a nossa vontade é preponderante…”. Deixo o pensamento voar porque quero acreditar nas minhas próprias palavras.

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